terça-feira, junho 08, 2021

 "Empurrão da Vida"



Deu um passo e lançou-se no abismo cumprindo o que vinha ameaçando há quase duas horas. O seu corpo tombava e era a imagem do desistir da vida, e de lutar por ela, nos poucos segundos que restavam até atingir a superfície das água do Rio Douro. Voava imóvel até à morte.

Raul olhava sem reacção e seus olhos enchiam-se cada vez mais de lágrimas a cada segundo que observava impotente ao voo para morte daquele que ele durante quase duas horas tentava demover. Selma era o nome daquela que ele não conseguiu salvar.

Foi a primeira vez que ele falhou desde que assumiu a função de negociador com suicidas na corporação de bombeiros. De todas as outras 6 vezes em que foi chamado a intervir tinha conseguido salvar 6 vidas. Apesar de toda a dor, tristeza e tensão que uma situação daquelas envolve, ele saiu delas com o sentimento de dever cumprido, e com o conforto que salvar uma vida ou adiar uma morte nos pode dar.

Mas aquele momento era de derrota. Ele, que tinha o dom da palavra e da argumentação, refugiou-se no silêncio dos seus pensamentos e seguiu para casa.

Passou a noite em claro, tentando perceber onde falhara. Vezes sem conta recordava as duas horas que conversou com Selma antes de esta o deixar sem reacção no tabuleiro da Ponte D. Luís.

E foi à ponte que regressou poucas horas depois. Queria perceber, entender, em que falhou. Sentia-se culpado pela vida perdida. Como se tivesse culpa dos motivos que levaram aquela jovem a suicidar-se.

Ainda era de madrugada, o céu começava a clarear e Raul procurou colocar-se no lugar e na cabeça de Selma. Cada vez mais aquele acontecimento o atormentava e turvava a clarividência. Raul não estava a lidar bem com tudo aquilo...sentia-se culpado.

Subiu o muro da ponte no exacto local onde Selma subira. Olhou para baixo como tentando ainda que algo lhe dissesse que tudo não tinha passado de um sonho. Mas a imagem que ainda guardava era bem real.

Deu um passo e lançou-se no abismo que segundos depois o levaria a encontrar a superfície das frias águas do Rio Douro.

O seu nome era Raul.

Texto: SSR

sábado, junho 29, 2013

Djavan - 03. Triste é o cara [Rua dos Amores (2012)]



"Triste é o cara
Que só sabe o que é bom,
Que não sai do leblon,
Que nunca ficou à toa.
Triste é o cara
Que não sabe perder,
Que não sai de você,
Que nunca se superou."

quinta-feira, abril 18, 2013


 
 
 
Entre o céu e a terra…
Há um salão deslizante
Onde casais planam…
Num futuro distante
 
Deambulam pelas nuvens
Dançam com o amor
Olhos que não vêm a tristeza
Corações que não sentem a dor
 

quinta-feira, fevereiro 28, 2013

Tal como os vampiros estão condenados a uma existência errante e infinita, também os Sanguessugas parecem condenados a um não lugar emocional..engraçado, somos tão bons a sonhar, mas tão maus a viver um sonho

 
 
Eles pagaram uma rodada ao marinheiro
e escutaram a sua história
passada num mundo tão distante
e uma música que nunca tinham ouvido
uma música sobre um passarinho
que se apaixonou por uma baleia
ela disse "tu não podes viver no oceano"
e ele disse-lhe
"tu nunca podes viver no céu"
mas o oceano está cheio de lágrimas
e o céu torna-se um espelho
está uma baleia na lua quando o céu está limpo
e um passarinho na maré
"por favor não chores
deixa-me enxugar os teus olhos
então diz-me que vais esperar por mim
segura-me nos teus braços
eu prometo que nunca nos vamos separar
eu nunca voltarei a navegar para aquele tempo
mas vou sempre fingir que és minha
eu sei que temos que nos separar
podes viver no meu coração"
 
 
para bibi
 

 
 

terça-feira, janeiro 08, 2013

Gente fora do lugar




"Você é Engenheiro?", perguntou-me o vigilante do parque de estacionamento onde normalmente deixo o carro, junto da obra. Não foi difícil para ele acertar, estando eu com o capacete branco na mão, vindo da obra e dirigindo-me para o carro para ali aguardar pelo final da hora de almoço, na sombra e sentado.

"Conhece a empresa...?", atirou ele depois de eu lhe confirmar o óbvio.

"Não, não conheço. Na verdade, eu sou português e estou há pouco tempo no Brasil", respondi-lhe com aquele medo de que não me entendesse.

"É mesmo? Meus antepassados são de Portugal. De onde você é?". Expliquei-lhe que era de Espinho, uma pequena cidade próxima do Porto. "Ah! Porto. Minhas origens são de Coimbra. De vez em quando eu oiço fado. Fado, essa palavra que significa destino".

Alexandre é de estatura média e tem pele escurecida pelo sol e não deve ter mais de 40 anos. Os seus bisavós eram de Coimbra. Perguntei-lhe se ele os conheceu.

"Sim, foi até o meu bisavô quem me ensinou o que era o Fado", contou-me.

E continuou: "Eu gosto de saber a minha origem, de onde vim e quem sou. Por exemplo, a origem do meu nome. Alexandre significa 'defensor dos homens, ou da humanidade' e também 'líder de homens'".

Sem se deter, e sem que eu conseguisse que abrandasse, ele vai disparando: "fui assim desde pequeno, sempre querendo saber mais de tudo. Como era diferente, neste aspecto, de todos os da minha idade, eu era visto como um doido". E aproveita para me explicar a origem da palavra doido. "Na verdade, ela está associada à ingenuidade", começa por me dizer, para depois me revelar que a origem vem do nome de uma ave, a 'Dodó', natural das Ilhas Maurícias, ilhas onde os primeiros a chegar foram os portugueses. "Essas aves, como não estavam habituadas à presença de caçadores e predadores, eram facilmente aniquiladas. Por isso os portugueses sempre se referiam aos ingénuos e que parecem ser fora do normal, como sendo 'dodós', originando os 'doidos'".

"A vida foi-me levando...", disse-me ele.

Um professor, apercebendo-se da 'diferença' do Alexandre, resolve fazer-lhe um teste de QI. "Cento e quarenta e cinco, eu tive no teste", conta o meu homónimo (sim, eu também sou Alexandre, como ele, defensor da humanidade), "o normal seria ter 100". Depois, mais uma revelação: "desde pequeno que aprendi a falar russo", e fala um pouco para mim interrompendo para mais uma achega: "Sabia que o russo é muito semelhante ao português?", e disparou meia dúzia de palavras em português e a sua tradução em russo.

Convenceu-me. Aprendeu a língua com um músico russo seu vizinho e que lhe dava aulas de Violino. "Durante as aulas, o professor xingava-me em russo e eu queria entender o que ele dizia". Foi assim que ele aprendeu.

"Violino, Alexandre? Mas você tocou, ainda toca?", perguntei, sinceramente interessado.

"Agora toco violoncelo, gosto mais do som. Mas toco só de vez em quando. Quando tocava violino, e era mais jovem, cheguei a pedir um visto na embaixada da Rússia para ir estudar violino para o 'Pequeno Bolshoi' em Moscovo. Mas foi na altura dos momentos conturbados na Rússia, com o fim da Perestroika e do Gorbatchev".

"É...a vida foi-me levando...", repetiu.

Voltei para a obra, pensando na conversa, no que aprendi e do quanto deslocado me pareceu o Alexandre naquele lugar. Regressei mais tarde para retirar o carro. Fui ter com ele, fiz o pagamento e ele perguntou-me:

"Se eu lhe pedisse um Conselho, qual você daria?"

"Um conselho? Sobre que assunto?", respondi, perguntando.

"Com a sua experiência, da sua vida, e pelo que conheceu hoje de mim, me dê um conselho qualquer, um que ache apropriado", desafiou-me. Sim, senti a pergunta como um desafio. Aceitei-o:

"Alexandre, tente levar você a vida para que não seja sempre ela a lhe levar, para que você um dia se sinta no lugar que quer, que julga merecer e lhe faça sentido. Para que não seja sempre a vida a lhe levar", atirei com uma convicção que eu próprio estranhei, mas que senti ter sido do agrado e de ter estado à altura daquele que me desafiou.

Despediu-se de mim dizendo para eu ter paciência, "porque alguns brasileiros não têm uma boa imagem dos portugueses". "É uma questão de educação, e aqui falta muita!", rematou, sem me ouvir dizer que esse tipo de educação falta em todos os países, inclusive no meu.

É, existe gente fora do lugar. O Alexandre está, claramente, fora do lugar.


(História Real)
Texto e Foto: Sérgio Sanguessuga Rocha

domingo, julho 01, 2012

Acto III

David partilha as suas últimas palavras com Verónica e encontra paz no seu coração




Mais uma noite



"Passei demasiado tempo a defender o meu passado

Não encontro força na verdade, quando tudo está acabado

Nunca disse que era um herói, apenas sou um inadaptado.


Durante toda a provação de ser acusado

A minha defesa substituiu o amor que eu havia amado

Simplesmente não me deixaram sentir saudade.


Mas eu passaria por tudo outra vez

Eu percorreria a aridez…   se isso me desse a oportunidade, de matar a saudade, de ter-te nos meus braços e guardar-te nos meus sonhos.


É duro ter-te deixado partir!

Posso estar sozinho mas vou sempre sentir…    que nunca desapareceste, enquanto eu segurar as memórias, que construímos quando estávamos a namorar.


Eu acreditaria na mentira só para sentir a tua saliva

Sei que tentar esquecer-te manteve-te cativa

Nunca quis estar certo, apenas queria ver-te viva.


Então leva a minha visão  – ela é o vento no meu deserto!

Leva o meu toque -  eu sei que ela está perto…    nas canções dos pássaros, traduzidas em palavras, eu lembro o sabor dela no sol que escurece a minha pele

Então despe-me de mim – eu não quero ser real!

Eu quero flutuar através desta paz celestial…     as memórias ficam, como uma semente à chuva, eu vou acarinhar o nosso amor, e revivê-lo depois da curva, ela está viva na minha mente por isso vivo lá constantemente a lembrar o nosso amor!"


“Palavras à parte, David sabes que continuo a amar-te

Quero que cresças, mas nunca me esqueças

Serei uma semente no teu coração, estarei junto a ti durante a depressão

A tua vida brotará como uma flor, e cada pétala aliviará a minha dor, e as cores vão resplandecer só pra te dizer que amei-te de forma desesperada,
agora posso ir descansada…”


"Senti o teu cabelo no meu peito, assim que a tua morte encontrou um leito
Está tudo ligado à rotação, do mundo onde escrevo esta canção
Talvez nunca me despeça de ti
Continue a fingir que ainda hoje te vi
Mas eu não podia continuar a viver
Num mundo que não consigo compreender
Sabes, se fosse possível, eu tornar-me-ia invisível

Escondia as minhas cicatrizes, relembrava tempos felizes
Observei aquele sol a desaparecer, e no horizonte voltar a aparecer
E nessa graça permanente, vejo a tua cara reluzente
Agora que já te vi a morrer, posso finalmente dizer
Que se estivesses aqui presente, amar-te-ia como antigamente
Já aconteceu tudo antes, e vai voltar tudo a acontecer
Quando te apercebes que o fim é o mesmo sítio que te viu nascer
Cheguei ao fim do meu discurso, estou farto de representar este papel
Eu não quero ter razão, só quero mais uma noite
Eu não quero ter razão, só quero mais uma noite
Eu não quero ter razão, só quero mais uma noite"


terça-feira, maio 29, 2012

Acto II

David perde Verónica, e depois a si mesmo, sucumbindo à culpa e ao desespero



Lembra o meu nome


Não houve aventura mais desafortunada

do que aquela que através de David nos foi mostrada

A sua fuga de uma vida carregada de dor

para abraçar a condenação do amor


Mais vale o amor esconder

do que vê-lo morrer

Mais vale estar só

do que ver o teu coração tornar-se pó


Não devia a alma de um homem são

erguer-se acima destes vorazes desígnios do amor

Mais vale ter nascido cego do que ver e perder a visão

Mais vale paz num futuro desolador

do que lutar com a tua recordação


“Então leva o meu coração contigo para a cova

Apenas bombeia sangue gelado para as minhas veias

Eu perdi tudo no cruel jogo do destino

Apenas o diabo lembra o meu nome”


Apenas um coração tolo pelo destino se deixa levar

pelas voltas e trocas que nos obriga a aguentar

O único amor que não vai morrer

é o amor a que tu nunca vais corresponder


Como uma faca que perfura

A perda é sentimento que perdura

A dor dura uma eternidade

O amor é uma cruel enfermidade


Como um pavio que segura a chama

O caminho que te levou até ela causou o incêndio

O fósforo que tinhas é o culpado

Os caminhos do amor e da morte estavam lado a lado


Agora que amaste e perdeste

Reembolsarias um custo como este? Um preço tão elevado,

Ela estaria aqui se nunca a tivesses amado


“Então leva o meu coração contigo para a cova

Ele apenas bombeia sangue gelado para as minhas veias

Eu perdi tudo no cruel jogo do destino

Apenas o diabo lembra o meu nome”