sexta-feira, outubro 20, 2006

Utopia


"Oh, discípulos de Sócrates. Mostrem que de dentro desta força criativa brota a razão que pode transformar o mundo, pois o mundo é belo e puro. Imundo é a negação do mundo e dos homens da terra!"


Esta foi a mensagem escolhida pelo grupo de 5 estagiários da escola José Fragateiro (Ovar), para ser impressa em cada marcador de livros que foi oferecido a cerca de 100 professores desse estabelecimento, no âmbito das comemorações do dia do professor, no passado dia 5. Demasiado romântica? Sim. Utópica? Claro, estamos a falar de pessoas. Por muito bom trabalho que possa ser feito, ou por muito bom que qualquer sistema de ensino seja, existirão sempre forças omnipresentes que, de várias formas, vão minar tudo o que de belo e puro for perspectivado nos seus processos. A estas forças chamamos vida real.

O dinheiro gasto na compra das prendas rondou os 30 euros. À medida que os marcadores iam desaparecendo da caixa colocada na sala dos profs., a mesma ia-se enchendo de moedas, gentis retribuições dos destinatários. Parece que ultrapassou os 40 euros! Podemos então dizer que, com esta brincadeira do dia dos profs., foram transaccionados cerca de 70 euros.

Uma das primeiras histórinhas que me foi impingida nos primeiros dias que cá passei, foi a de uma aluna nossa que, tendo um grave problema de visão, continua a usar um par de óculos que pouco ou nada adianta. Reza a lenda que a mãe não tem meios financeiros para o upgrade, no entanto aparentemente a miúda não perde um Carnaval e apresenta-se sempre vestida a rigor (no desfile). Reza também a lenda que os professores da escola estão a reunir esforços para ajudar. Acho que sim, afinal a miúda quer ver, ao contrário de alguns colegas, igualmente cegos, que se "esquecem" dos outros olhos por recearem o look á nerd. Eu também era como eles.

Eu penso que para ela o mundo seria mais belo se ela pudesse vê-lo em condições, no entanto ninguém (mea culpa) reparou que, nesta última semana, o seu problema poderia ter sido resolvido, com um pouco mais de ajuda...

Já trabalhei em locais como fábricas, hipermercados, centros comerciais e até (este foi o mais gratificante) como vendedor de porta em porta. Pelo menos o meu papel era claro: Tinha que produzir, vender, repôr, limpar, convencer, atender. Não havia muita ambiguidade. Nalguns tinha que ser inventivo, criativo, desinibido, para conseguir atingir objectivos. Noutros tinha que seguir á risca um procedimento repetitivo, como numa linha de montagem, onde a minha intervenção está já definida e programada. Nunca pensei (por acaso já) que ser professor se assemelhasse a esta última. Para já é este o peixe que me querem vender.

To be continued...

Ponto de Ordem

*cartoon de Angeli
Razões da criação de mais um blog, na imensidão de ‘lugares’ do género nesse espaço gigantesco que é a Internet?
OK! A culpa foi minha! “Que maçada!”, dirão, ou disseram, alguns dos actuais e, espero, futuros membros do Blog quando lhes propus tal cargo, o de membro. Pois…

Bem, e começando pela palavra ‘membro’, do latim membru, ela vem descrita no dicionário de Língua Portuguesa da Porto Editora da seguinte forma:

Membro, substantivo masculino

1) Apêndice do corpo do homem e dos outros animais, destinado à locomoção ou à preensão;
2) ANATOMIA cada um dos quatro apêndices do tronco, ligados a ele por meio de articulações, sendo dois superiores e dois inferiores, e que realizam movimentos diversos, entre os quais a locomoção;
3) Indivíduo que faz parte de uma colectividade;
4) Parte de uma frase ou período com sentido parcial;
5) Popular pénis;
6) MATEMÁTICA cada uma das duas partes de uma equação ou inequação, separadas pelo sinal de igualdade ou pelo sinal de desigualdade;
7) Cada uma das partes de uma construção.

(esta coisa rebuscada de pegar no dicionário foi só para o style)

Bom, prosseguindo, o que eu quero dizer é que os membros deste Blog mais não são do que familiares, no caso, primos. O nome do Blog não tem nada a ver com o a corrupção no Brasil, onde todos os dias se podem ler nos jornais notícias sobre o caso dos “sanguessugas”. Os “sanguessugas” do Brasil são, pasmem-se, políticos, deputados da nação que, pelos vistos se tentaram pela corrupção. E parece que não escapa um deputado… Lá, são todos membros.

Os Sanguessugas deste Blog são-o de nome. Nome de Família!

Voltando ao Blog, e á razão de ele existir.

A minha brilhante ideia, teve origem nas espontâneas dissertações do meu irmão que, através de e-mails enviados a um círculo restrito de amigos e familiares, vai contando peripécias do seu dia-a-dia de uma forma, na minha humilde opinião, cativante e de muita qualidade literária.

Assim, através do blog, as suas dissertações continuam disponíveis a esse círculo de uma forma mais organizada e agradável, permitindo o comentário, a troca de ideias e opiniões. Os convites aos actuais membros foram formulados por mim e os critérios basearam-se na reconhecida qualidade literária dos mesmos, para além do humor apuradíssimo. Espero poder ter mais uma prova do que digo, ao deliciar-me com os posts deles.

Eu ficarei a observar. Sim, sou membro mas por auto-cunha. Não me reconheço qualidade nenhuma literária, como ficou aqui mais do que provado!

BORA LÁ POSTAR, CARAGO!! (que tal esta qualidade literária?)

segunda-feira, outubro 09, 2006

Viagens - Parte II

*Parque de Campismo de Sta. Tecla - La Guardia

O parque de campismo era pequeno, um quadrado de árvores com vegetação densa, e com uma via de cintura interna de cimento, em forma de U, que passava por todos os pontos de interesse possíveis, os quais não eram muito abundantes (repito que não frequento muitos parques, daí esta observação banal).

Já todos reunidos, e com a tralha montada e arrumada, decidimos ir relaxar para algum sítio, visto que pelo menos o Domingos, o Filipe e o Valter estavam fartos de conduzir, a Ana atarefada com o Pedrinho bem desperto…fomos para a praia, que era já ali ao lado. Cerveja já tínhamos, e, depois de alguma contemplação, conversa e mergulhos, foi-nos emprestada um bola de voleibol, e, pasmem, havia um rede montadinha à nossa beira. Showtime!!

Splash!

Mas antes do jogo pode-se dizer que o grande momento pertenceu á Irena. Quero ressalvar que toda a caracterização psicológica e interpretação de comportamentos que eu faça daqui para a frente, assim como atrás, deve ser encarada como partindo de um ponto de vista muito particular – o meu, assim como inserida num contexto único e meramente circunstancial. Por isso, ao dizer que a Irena foi uma companheira reservada e mesmo tímida, não quero presumir que ela seja mesmo assim. Só que ela não falava a nossa língua, e, mesmo quando tentávamos ter uma conversa em inglês, o campo cénico da reserva da dama mantinha-se. Mas posso dizer que ela é grande nadadora. Eu já tinha reparado no seu corpo atlético, principalmente nos ombros erectos (!?), imagem de marca de nadadores, e nem dei conta quando ela entrou na água. Acontece que ela entra e começa a nadar, e a nadar, e a nadar…e o vigia começa a gritar, a gritar e a gesticular, dizendo-lhe que não se pode ir para tão longe. Estava bandeira amarela…Isso não se faz. Ela parecia a Franzisca van Almsick, dos tempos áureos, antes de se enrolar com o treinador…Mas a Irena ainda tinha outra surpresa, que nos mostrou logo que regressámos ao parque. Estávamos no bar, o Domingos a dedilhar umas notas na sua velha viola, e…eis que ela nos brinda com os dotes de, não só de razoável guitarrista (nada muito melhor), mas também a cantarolar, no seu jeito tímido, umas duas ou três músicas lá da terra. Foi fixe, o sol estava quase a desaparecer, assim como o líquido dos copos…e a sereia checa tinha já deixado a sua marca.

Fade to Black (take the skinheads bowling…)

Aproximava-se a hora do jantar, e confesso que não me lembro de muita coisa do resto da noite. Bom, sei que antes aconteceu algo um pouco ridículo, andámos todos à procura de um miúdo mulato de 7 anos, que era nosso vizinho de tenda, e que estava acompanhado pelos pais adoptivos, um casal espanhol. Quem lançou o alerta foi a mãe, mas caramba, o pai também não estava lá…Por isso acabámos por encontrá-los num verdadeiro momento pai – filho... Falha de comunicação entre o casal?

Camarões grelhados! Valter desculpa, já não me lembro do que fizeste (foi arroz, como sempre, no entanto não me recordo de quê) mas aqueles camarões…Obrigado Domingos. Foi com casca e tudo!

Pratinhos e copos de plástico, guardanapos de papel, sentados no chão ou recostados a uma árvore, e o cheiro…o cheiro a cozinhados diluído no aroma das pinhas. Era idílico. Mas dar de comer ao Pedro pode, sob certos aspectos, ser considerado como um anti-climax desses momentos. Bom, talvez não, porque o puto comia antes de nós, mas, o drama, o horror que nos espera quando a criança tem que comer a sopa e simplesmente não quer e cospe tudo e f***tudo o que possa deitar a mão a. Eu já tinha observado este fenómeno natural no filho do meu vizinho. Testemunhei momentos verdadeiramente tétricos que me fizeram agradecer nunca ter tido o azar de, por exemplo, um preservativo rebentar ou outra coisa qualquer. Não duvido que quando (ou se) eu próprio for pai vou renascer, mas estes momentos fizeram-me também lembrar uma cena do filme “Three Kings”, onde um personagem está a ser torturado com uma caixa de cd enfiada na boca, com um dos cantos da caixa a tocar-lhe o fundo da garganta. O agressor despeja uma tina de petróleo (sim era no Iraque), o qual desliza pela superfície da caixa…Mas isto era propósito de quê?...

Bom, a seguir fomos á cidade. Não nos demorámos muito, mas o ambiente estava fixe. E é tudo o que me lembro. Ah, e o Tomás é bué de inteligente. O gajo já tá em Portugal há vários anos, mas, se não fosse o sotaque e o aspecto do leste europeu…Ele percebe tudo, os sarcasmos, as expressões metafóricas, as ironias, e o seu nível de proficiência é tal que ele próprio já produz expressões carregadas dessas mensagens subliminares, sempre engraçadas e dinamizadoras. E é muito sensato e equilibrado. É aquilo a que alguns americanos chamam de “even Steven”, o tipo de pessoa que encontra sempre um equilíbrio natural na sua vida, tipo, se deixar cair uma moeda de 2 euros por entre as grades de um esgoto, passado meia hora encontra outra no fundo da mochila. Tudo bem, vocês podem dizer que mesmo assim ele fica a perder 2 euros, porque a que estava no fundo da mochila já era dele, mas todos sabemos o sentimento de encontrar dinheiro nos bolsos quando tal não é esperado…


La Guardia

Na manhã seguinte, zarpámos para La Guardia, Galiza, Espanha. Mal saímos do barco, já dentro dos carros, o Filipe foi pra um lado, o Domingos foi para outro, e eu e o Válter pensámos: bem, o Domingos pára já, mas o Filipe só dá pela nossa falta quando a estrada acabar e só tiver o mar pela frente…Por isso fomos atrás dele, na subida do monte de Sta Tecla , e parámos num café com uma vista linda para o oceano. O próprio café tinha uma fotografia gigante da vista aérea sobre a cidade, e espero sacá-la do google earth e anexá-la a estas linhas. Mais uma vez tratámos de montar tenda no parque, e, que diferença! Como pequenos pormenores de trato pessoal, aliados á existência de uma piscina, colocam este camping a léguas da tristeza do de Caminha (até rima!!). Em vez de árvores carregadas de ramos e folhas, arvores carecas, como se do outro lado do rio fosse Outono; em vez de um ridiculo U a percorrer o parque, uma planta a fazer lembrar Espinho, com pequenos quarteirões e ruazinhas paralelas. E em vez de sermos atendidos por uns saloios mal dispostos, encontramos uns miúdos sorridentes e dinâmicos que dizem servicios em vez de casa de banho…

La Guardia está lá, aguardem o resto da descrição...

Viagens - Parte I

* Caminha

“E então, o Simão sempre vai ser vendido ou quê?”

Num dia normal, esta frase seria lógicamente engavetada num contexto de conversa de café reles, de ambiente familiar saudosista do antigo regime ou ainda de uma qualquer prisão de segurança média ou máxima. Assim como o contexto, também é fácil estereotipar o tipo de pessoa que se interessaria, não pelo assunto futebol, mas por algo que tenha a ver com o Simão, e, consequentemente, com o Sport Lisboa e Benfica. Estaríamos então a falar de alguém como o bêbedo do tasco, o chefe de família, o chefe do tasco, ou um presidiário, entre outros e outras.

Mas estas palavras chegaram aos meus ouvidos vindo da boca e, numa homenagem ao Umberto Eco, do pensamento da criatura menos provável de proferir tal frase: O Castelão. Como alguém (chamado Guardizela) tão bem apontou, o futebol, para aquele gajo, é assunto tabu. Ao ouvi-lo (ao Castelão), não escondi a minha surpresa pelo súbito e escorregadio interesse por tal assunto, no entanto respondi como sabia, socorrendo-me, em parte, do que tinha lido e ouvido nos media: “pá acho que não, o Valência não lhe ofereceu o salário que ele queria e não sei quê e por isso deve ficar cá a meter nojo mais uns tempos. Mas penso que ele é tipo João V. Pinto, teve o trauma de uma má experiência no estrangeiro e agora tá todo borrado por sair.” Enfim, tentei dar uma resposta politicamente correcta. Mas não demorou muito até eu perceber que, naquele pequeno (não há nada maior) episódio, estávamos já na crista da onda que iria transportar-nos durante os próximos 4 dias e noites. Isto aconteceu por volta da hora do almoço e a alguns quilómetros da estação de serviço de Viana do Castelo, a terra da Nossa Senhora da Agonia. E a atitude do Castelão (sim, atitude!) transmitiu-me a sensação de que, como o F.Pessoa, iríamos ser tipo aspiradores, não de lixo inútil, mas um tipo de aspirador que aspira todas as sensações que a nossa constância perceptiva por vezes nos nega. O Valter (o Castelão) mostrou-se aberto a um assunto que não lhe interessava minimamente, e, como eu não percebo nada de optometria, lá quebrou uma fina camada de gelo que se forma naturalmente pela distância física e temporal a que as circunstâncias da vida nos condenam inevitavelmente. A partir dali estavam lançadas as amarras para qualquer tipo de conversa, por isso religião, sexualidade e processos de transmissão cromossomática eram assuntos correntes.

O próximo passo era encostar ás boxes na e.s. de V.castelo e esperar pelo Guardizela, o “driver” que transportava a surpresa da jornada: Ana, e, a surpresa do campeonato (mais para ela, creio), o seu rebento baptizado com o nome bíblico Pedro, a viver o segundo Verão da sua vida na nossa companhia.

Estação de Serviço de Viana

Estava quente…foi a primeira vez que abrimos a arca que continha as nossas provisões: pão, queijo, vinho, fiambre, leite, droga e ovos. O essencial para os banquetes dignos da vagabundagem que iríamos encetar a partir do momento em que saímos do Porto. Esta estação de serviço, igual a tantas outras, foi o cenário de, pelo menos, dois eventos dignos de registo: Enquanto esperávamos, o Valter aproveitou para ligar o seu portátil e esta seria, como era de esperar, a única vez que tal aconteceu; pouco depois apareceu a Ana, a quem já não punha a vista em cima há muito, muito tempo. Estava igual ao que era antes, sempre com um sorriso, mas notei que agora gosta mais dela própria – no bom sentido. Ainda bem. Ah, já me esquecia do Pedro! É um puto fixe, mas um bocado trombudo.

Marcha Turca

Mas tudo começou de manhã cedo. Já não me lembro bem do que fiz na noite anterior aos acontecimentos que atrás narrei, mas sei que dormi pouco, por isso devo ter andado pela zona...Deitei-me por volta das 6 e tinha que acordar ás 8.30. Cometi o erro clássico de pensar que ia consegui-lo na boa, depois de 2 horas e tal de sono, ainda para mais com aquela jarda em cima. Resultado: acordei abruptamente ao som da Marcha Turca. Este som, composto por Mozart, desencadeia em mim a reacção de pressionar uma tecla verde que faz parte do painel do meu humilde telemóvel: Era o Valter. Ele esperava-me, no seu veículo, em Campanhã, ás 10h, tal como tínhamos combinado. Saímos do Porto ao meio dia…

“Todos diferentes, todos iguais”

Ao chegarmos a Caminha, adoptámos a postura de campistas. Nada de ir ao primeiro tasco que encontrássemos, nem de ir para a esplanada mamar finos e ver gajas…Fomos direitinhos para o parque de campismo que fica na zona noroeste, coladinho ao Atlântico, assim como ao rio Minho. Tínhamos que salvaguardar o nosso território. Eu não estou habituado a frequentar Campings, por isso ainda hoje aprendo como funciona a mecânica deste tipo de férias. Há toda uma disciplina que assenta no trabalho corporativista dos participantes, desde a escolha de um bom spot até à confecção dos cozinhados, passando pelo montar das tendas. Mas isso era trabalho para o Valter e o Filipe. A Ana tinha que tomar conta do miúdo, e eu fiquei a fazer companhia à Ana, à entrada do camping. E foi neste local que recebemos o resto dos amiguinhos que nos iriam acompanhar: O timorense Domingos, O cabo – verdiano James, e os checos Irena e Tomás. A partir daqui estava formada a irmandade do farnel, e acho que demos conta do recado.

Agora, se me dão licença, vou fazer um intervalo para ir à capital de Marrocos ver os Pearl Jam, e, se tiver tempo, visitar sítios como o Bairro Alto ou o Castelo de S.Jorge…até já.