quinta-feira, março 27, 2008

Telemóvel

Sem querer estar aqui com muita treta sobre este assunto, já que a cobertura mediática encarrega-se disso, gostava de enviar uma mensagem de apoio à aluna demoníaca que representa esta geração maléfica que invadiu as nossas escolas. Para quem, como eu, vê telejornais durante uma média de 5mn por dia, é assim que parece. Mas exceder esse tempo dá-me náuseas.

Caramba, será que ninguém andou na escola? Quando eu estava no 9º ano, o meu colega de carteira, o M., escrevinhou num papel, em plena aula de Matemática, o seguinte: "sexo, violência, setôra à presidência!" A referida professora era septuagenária, mas boa observadora, qualidade que lhe permitiu interceptar o bilhete num dos momentos em que andava a rodar pelos alunos. Mas antes que ela o pudesse ler, o M., aluno e colega dos mais respeitadores e simpáticos que alguma vez conheci, mas também brincalhão, salta da cadeira e antecipa-se à prof., que tenta tirar-lhe o papel das mãos. Ambos insistem e, por alguns segundos, foi exactamente a mesma história do telemóvel. Mas este episódio ficará gravado só na nossa memória.

Tudo bem, esta "luta pela posse do telemóvel" foi bastante prolongada e, realmente, dá que pensar. A aluna parecia desesperada e histérica. Já o Almeida Garrett dizia que as mulheres são o público alvo por excelência, porque emocionam-se com facilidade e, no âmbito do romantismo, a histeria e a loucura andam por perto. Os colegas comportaram-se como se aquilo fosse puro entretenimento, o que é normal (convém lembrar que foi desta forma que as pessoas em casa assistiram a isto). Nestas idades parece que somos um pouco como os Hobbitts, apenas vivemos para os pequenos prazeres. Resta a professora. Já olharam para ela? Parece o "exterminador". Fazendo um paralelo com a minha prof. de Matemática, algumas destas pessoas que resolvem ou são encaminhadas para dar aulas, julgam que se vão tornar chefes de secção de uma qualquer fábrica de conservas, onde os alunos chegam e saem a horas definidas, cumprem uma série de procedimentos mais ou menos rígidos, são obrigados a prestar serviço e a responder a uma figura autoritária que tem o dever de controlar os seus desempenhos e, por fim, avaliá-los. O Alvin Toffler já anda a dizer isto desde os anos sessenta. Ele atribui este sistema ao surgimento da Rev. Industrial. Portanto, o essencial, visto de uma perspectiva económica e política, não é ensinar nem abrir horizontes. Isso é pra quem tem dinheiro, motivações e inteligência. O resto da populaça tem que preencher os buracos e os estratos mais baixos da sociedade, por isso toca a meter tudo lá pra dentro (da escola) e esperar que aquela massa dê tijolos que possam servir para engrandecer a "parede" que rodeia a máquina produtiva do país.

Tendo a experiência de ter sido aluno, assim como professor, mesmo num curto espaço de tempo, reparei que não há muito interesse vindo do exterior sobre o que se passa dentro da escola e dentro das salas de aula. A minha prof. de Matemática e a prof. das filmagens são herdeiras das décadas em que Portugal esteve fechado para o mundo. Antigamente o problema ficava resolvido com um par de estalos, mas agora não se pode bater nas crianças porque elas têm direitos, nem se pode abraçá-las porque é pedofilia. Condeno a violência com que alguns pais se dirigem à escola para defender os filhos, mas tem que haver, de alguma forma, uma intervenção do resto dos agentes da comunidade. Lembro-me que assisti a uma reunião de turma, na qual estavam 10 professores e uma representante dos pais. A senhora ficou com a batata quente de apresentar algumas queixas de alunos relativamente ao comportamento de alguns profs. lá presentes. Nem preciso de dizer que ela foi entregue à bicharada, nenhum professor admitiu qualquer tipo de crítica e houve sempre uma atitude de confronto para com a senhora. Ninguém enaltece a coragem destas mães e pais que tentam compreender melhor como funciona o mundo onde os filhos vivem. A sua presença era desconfortável para os restantes elementos lá presentes e eu senti-me envergonhado perante a senhora.

Em "O admirável mundo novo" Huxley tenta, de uma forma literária, fantasiosa, tacteante e, por fim, utópica(?), descrever um futuro verosímil(?) no qual a nossa sociedade e humanidade seriam criadas e reguladas num laboratório. Ainda nas primeiras páginas, o autor escreve, a propósito de problemas na produção dos Epsilon, por sinal, a espécie humana de menor valor: "…Mas apesar dos Epsilons serem psicologicamente maduros aos 10 anos, o seu corpo só está apto para trabalhar aos 18. Serão longos anos de imaturidade supérflua e desperdiçada…" O pior é que, na sociedade actual, esta "teenage wasteland" prolonga-se pela idade adulta, por causa do desemprego. Huxley escreveria anos mais tarde, em "Brave New World Revisited", que achava que as suas teorias se estavam a confirmar mais rápido do que havia imaginado. Mas nessa altura ele também já estava a dar-lhe forte no LSD e na mescalina.

Mesmo quando estou bem disposto, é-me difícil encarar este assunto de forma optimista. No entanto, a pergunta que se faz é legítima: Onde está o espaço e tempo para se ser criança? E não falo apenas da escola. Muitos de vós poderão ter tido uma vivência familiar imaculada, mas nem toda a gente tem essa sorte. Alguns alunos sentiram-se à vontade para me confidenciar episódios do dia-a-dia familiar. No entanto, as suas atitudes na escola caracterizam-se pela ambiguidade: ora são os mais responsáveis e trabalhadores ora são completamente desinteressados e desordeiros.

Reitero a minha posição inicial. A miúda agiu mal, desde o uso do tlm na aula até à atitude de confronto, mas outros nem dariam a hipótese de a prof. lhes tirar o telemóvel. Se a sociedade de consumo dita que os telemóveis é que são fixes, então porque é que as mentes mais susceptíveis de cair na conversa é que deverão dar o exemplo? E se ela estivesse a brincar com o lápis ou o caderno, a professora também ia lá tirá-los? E, já agora, que resistentes mentes humanas é que aguentam passar 90 minutos a ouvir uma professora antiquada, monocórdica e mal disposta a falar sobre, por exemplo, as ideologias flutuantes de Camilo Castelo Branco. Em que ano estamos? Os alunos simplesmente não querem saber destas coisas, o mundo evolui e eles procuram interesses noutras áreas. E depois, para ensinar e incutir interesse em literatura chata é preciso tempo e estratégias, as quais o sistema escolar não tem condições para oferecer.

Escola, apressa-te ou perdes o comboio; Professores, a vida pessoal deve ficar lá fora. O exemplo deve vir dos mais experientes, e até os alunos mais ameaçadores podem ser conquistados. E quanto a manifestações, é bonito exercer esse direito, mas…vou convocar as palavras do R.A. Pereira, a propósito dos efeitos dos buzinões na ponte 25 de Abril, qualquer coisa como: “não creio que este barulho ensurdecedor vá mudar alguma coisa nesta lei. Carros a buzinar não são incomodativos para o ministro. A não ser que um desses carros vá a toda a velocidade direitinho ao dele…“ ; Adultos, se querem ou têm mesmo que ter filhos, ao menos tentem acompanhá-los e não os deixem à mercê destas instituições subservientes à máquina estatal e económica. Vocês pensam que eles vão fazer o trabalho por vós, mas quando derem por ela, os vossos filhos são filhos da Rhianna e do Justin Timberlake. Ou do Charles Manson. Pelo menos assim poderão ter uma palavra a dizer sobre a forma como são regidas as suas vidas. Eles têm voz e devem ser mais responsabilizados e ouvidos, não só quando fazem asneira, mas também na construção da sua identidade individual e social. Eles devem sentir o peso da responsabilidade, devem sentir que as suas opiniões são levadas em conta e que a escola não é um mero local de trabalho e obrigações. Porque não tentar uma abordagem à Summerhill, onde a recompensa (avaliação) dada a cada um é proporcional o que cada um faz num cenário escolar diversificado, isto para além da recompensa implícita no processo de viver e aprender.

Afinal há aqui muita treta, mas muita mais fica por dizer.

pedro

1 comentário:

Anónimo disse...

Blá, blá... Tá bem... vou dar uma alegria ao blog... está descansado, uma gaja também de ter um momento de nostalgia... Se andar sempre a rir-me vou acabar com "patas de galinha" e com problemas nos maxilares!! Mas vou tentar... :) lol

Quanto à aluna do telemóvel, boas goelas... Suponho que será dos "super dragões"! E da forma ferverosa como ela puxava o telemóvel, deve ter recebido uma mensagem do namorado da Vanessa Cristina, a dizer que tinha "trocado uns cuspes" com a Maria Henriqueta e que, ela (a aluna) era toda boa e também lhe "espetava o garfo na batata"... era grave se todo o Portugal ficasse a asaber disto!:)
Andreia