quinta-feira, junho 12, 2008

CAP. 1: O sonho do Barman: o relâmpago vem antes do ruído

Esta é a história por trás do “tenha uma noite fantástica”, de Baltazar Gomes

Ser completamente honesto com ela nunca era fácil. As suas reacções deixavam-me à chuva, ensanguentado e com a visão enevoada pela poluição do mundo que eu era forçado a encarar: olha à tua volta, dizia ela, olha o que tens à tua espera! Toda esta imundice vestida com fato de gala, um oráculo profanado pela alma mais caridosa e incorruptível, o que julgas que encontrarás nesse Tártaro da tua liberdade?
Telma tinha razão. Onde poderia eu ir? Com os galopantes preços da gasolina, seria quase impossível chegar a nordeste a tempo da feira. A extinção dos transportes públicos, outrora a quintessência da superioridade humatónoma, tornou-se um fardo demasiado pesado para quem aspirava a ser feirante. Aspirava, sim, pretérito…
No entanto, eu treinava em casa. Arduamente, mas com muito gosto. E muitas vezes partilhava esse prazer com a Telma, de forma mais orgânica e inconsequente. E um sorriso seu fazia tudo o resto valer a pena, tal qual como naquela noite em que falámos pela primeira vez...

Toda a minha caixa de ferramentas desejava-a ardentemente desde que a tinha visto num comboio, no tempo em que estes eram necessários. Mas nesse ano eu estava já contaminado, razão que, embora a doença ainda não impedisse a auto determinação, acabou por influenciar o meu julgamento e posterior bloqueio comportamental. Pôrra. O que eu estava a perder! No entanto, após meses de viagens e intersecções oculares, fui presenteado com aquilo que todos os humanos ainda sãos desejariam ver por uma vez na vida: o sorriso da Telma. Eu gelei, o que podia fazer? Mas ainda assim consegui alargar os cantos da minha boca durante dois ou três segundos, o suficiente para aliviar-me e devolver-lhe alguma daquela tensão. Uii! Escusado será dizer que nesse dia voltei para casa com a roupa a fervilhar. Todos os poros da minha pele assemelhavam-se a géisers, o meu cérebro disparava imagens constantes daquele momento e de outros que nunca tinham acontecido nem nunca viriam a acontecer…estava num completo êxtase…sentia a sua falta, e nem sequer a conhecia.
Não admira que eu tenha caído que nem um patinho. Na noite em que a conheci tudo foi perfeito. Eu não pensei que tivesse sido perfeito, mas mais tarde ela confessou-me que se sentiu um pouco idiota ao falar comigo, e isso demonstrou-me que há um grande poder na simples experiência das coisas e das sensações. E quanto confuso e perturbador esse poder é. A situação era típica: o gajo estava a chateá-la, ela desata a disparatar “deixa-me em paz, não há homens de jeito…”, sobe as escadas e depara-se comigo: “não há homens de jeito, pois não?” Eu só consegui abanar a cabeça. Adivinhem em que direcções. Ainda nem a conhecia e sentia que já estava a pagar o preço do amor irreflectido. Então resolvi atirar-lhe uma frase do John Lennon, que eu conheci através de uma personagem do The Office: “ a vida é aquilo que acontece enquanto estamos demasiado ocupados a fazer planos.” Não omiti a origem autoral desta filosofia presente na música, “beautiful boy” (dedicada a Sean), e, nessa mesma noite, antes que ela adormecesse, telefonei-lhe, só para lhe dar a ouvir aquela doce melodia…


1 comentário:

Anónimo disse...

wow... mt bom:)

beijo

P.S. Eh pa, nunca mais te perguntei, quanto te devo daquela certidão de estágio que me trouxeste (muito oportuno, mas deixa lá, lembrei-me):)