quarta-feira, abril 23, 2008

O poema de Maria

Estamos na nossa terra
Podia ser em qualquer lado
Suponho...
Mas eu vivo aqui

Este é o meu apartamento
O meu quarto
O meu mundo

Esta é a minha cama
Mas este não é o meu corpo
Nunca mais...

Esta não sou eu

Ele está a violá-la
A ela
E depois ele vai matá-la, tal como disse

Eu estou a falar através do estômago dela
Consigo vê-lo através do umbigo
Eu sou a sua gémea

As unhas dela não conseguem penetrar a pele
Mãos atadas com a corda que ele encontrou no átrio
A sua boca amordaçada não consegue gritar
Vendada, ela nunca vai saber como ele é
Mas vai imaginar por muito, muito tempo
Que todos os homens
São ele

No entanto ela consegue ouvir tudo
E consegue cheirá-lo
Ele tresanda

Eu estou a falar através do estômago dela
Consigo vê-lo através do umbigo
As minhas mãos estão livres
Escrevo isto enquanto está a acontecer
Ele não se vai vir dentro de mim
Eu não vou morrer aqui

Ela ouve o gato
A ziguezaguear pelo apartamento
A miar a bom som
Testemunhou agachado no escuro
E viu-o a entrar pela janela da cozinha
Enquanto ela dormia
Está a miar a bom som

Miando "porquê?"

É a única testemunha
Vamos gato, fala!
Está bem gatinho
Eu já estou gelada por dentro
Está bem
Isto já não sou eu
Está bem gatinho
Quando fotografarem o meu corpo nú
Vou ouvi-los falarem da

alegada vítima

Não vou perceber de quem é que eles estão a falar
Todos eles vão ser homens

Mas está tudo bem gatinho
Ele
Não me pode tocar
Apenas me pode foder

Ele insiste que me vai matar
Mas não vai

Quando ele acabar
Vai levar os lençóis da cama
Vai apagar todas as privas do crime

Menos eu

Ele vai à minha casa de banho
Vai mexer nos meus armários
Abrir a torneira da água
E ele vai lavar as mãos

Limpinho

v.o. Martha Linehan

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